O Clube dos 500 foi idealizado pelo banqueiro Orozimbo Roxo Loureiro no início dos anos 1950 aos moldes do antigo Clube dos 200, fundado pelo presidente Washington Luís para reunir influentes políticos e empresários longe dos holofotes das capitais. Embora a ideia inicial de um clube social não tenha prosperado, Orozimbo decidiu desenvolver no local um empreendimento comercial e de turismo oportunamente bem posicionado entre as duas maiores cidades brasileiras.
Localizado em Guaratinguetá, estratégico ponto de parada na metade do caminho entre Rio de Janeiro e São Paulo, o projeto foi implantado em uma antiga fazenda que teve sua área cortada pela estrada recém construída, a atual rodovia Presidente Dutra. Para a empreitada, Orozimbo contratou o arquiteto Oscar Niemeyer, com quem já iniciara trabalhos de grande porte para a carteira de seu Banco Nacional Imobiliário, que construiria algumas das maiores obras do arquiteto em São Paulo, como os edifícios Copan, Montreal, Eiffel e Califórnia.
Ao lado sul da pista, um novo bairro foi criado a partir de um loteamento desenvolvido por Abelardo de Souza, contando com quatro edifícios projetados por Niemeyer: um auto posto e lanchonete, um restaurante e uma residência para seu administrador. Ao lado norte, Niemeyer projetou outras quatro edificações que definem o programa hoteleiro: dois blocos com dez suítes cada, um salão de refeições e uma portaria. Dessas oito obras, seis ainda existem, sendo que a portaria foi demolida em data desconhecida (mas provavelmente durante a ampliação da estrada), e o restaurante foi parcialmente demolido e subsequentemente integrado em obras de expansão que o descaracterizaram por completo.
Edificações
O auto posto é configurado por uma esbelta cobertura inclinada de concreto sustentada por uma sucessão de colunas escultóricas em forma de ‘K’, marcando a área de abastecimento. A substituição de duas colunas por paredes define a oficina, enquanto um trecho fechado em alvenaria que não chega a tocar a laje encerra uma seção de uso e compartimentação originais desconhecidos. Em desacordo com o projeto, neste segmento da edificação as colunas em ‘K’ foram substituídas durante a construção por outras simples, cilíndricas.
O anexo do posto, localizado imediatamente à sua frente, continha vestiários para os funcionários, garagens, uma lanchonete e área de descanso para os viajantes. A edificação é coberta por cinco abóbadas conjugadas de concreto, marca registrada do arquiteto no período, e tem uma de suas faces fechadas por réguas de concreto perfuradas que também são utilizadas em outros projetos do clube, garantindo unidade ao conjunto. No caso da lanchonete, foram utilizadas duas camadas desses elementos pré-fabricados, sendo que a interna possui furação quadrada onde pequenas peças de vidro acabam por vedar este plano. O restaurante, já não existente, era também definido por abóbadas de concreto, porém de maiores vãos e mais abatidas. Sua planta original é desconhecida, visto que, com exceção do auto posto, nenhum projeto chegou aos dias de hoje. Por imagens de época, no entanto, sabe-se que a edificação contava com três abóbadas, uma das quais transversalmente menor que as restantes.
Encerrando as obras ao lado sul da rodovia, há uma pequena residência de 160 metros quadrados com um banheiro, um lavabo, cozinha, estar e três quartos com jardins de inverno privativos protegidos da insolação pelos mesmos elementos perfurados de concreto presentes na lanchonete. Seu desenho de corte trapezoidal com fachada inclinada resulta em um volume simples e marcante, ainda que transparente, outra estratégia recorrente do arquiteto no fim dos anos 1940 - são irmãos deste projeto os edifícios residenciais do Centro Técnico de Aeronáutica (CTA), em São José dos Campos, a residência Leonel Miranda, no Rio de Janeiro, sua própria casa em Mendes e o projeto não construído da residência Burton Tremaine, na Califórnia.
Ao lado norte da pista existia uma portaria cujas vigas de cobertura em madeira projetavam-se em balanço sobre o acesso, sendo, no entanto, apoiadas por um totem de concreto de desenho dinâmico e com um letreiro neon com o número 500, agindo também como marco publicitário do empreendimento. Já 400 metros distantes da pista, próximo à antiga sede da fazenda, Niemeyer implantou os três outros edifícios do hotel - os únicos não paralelos à via como os restantes, mas seguindo a orientação do casarão.
O salão de refeições, de planta aproximadamente quadrada, divide-se entre cozinha, área de armazenagem, sanitários e o salão propriamente dito. Sua elevação principal, também trapezoidal, apresenta um desenho gestual em que uma parede, ‘dobrada’ duas vezes, transforma-se em cobertura e em uma alta viga que ajuda a estruturar seu vão transversal. A fachada, tripartida como muitas do arquiteto, conta com um plano livre executado em tijolos assentados em ajuste francês, um trecho central em vidro, e uma parede originalmente em forte azul que, adentrando a obra, define o volume dos sanitários. A parede que separa o salão da cozinha, imediatamente oposta ao acesso, contém um grande mural de Emiliano Di Cavalcanti, executado ainda durante sua construção, no período de aproximadamente um ano em que o artista viveu no clube.
Por fim, dois blocos idênticos com dez suítes cada completam o conjunto. Seguindo o padrão da residência, cada unidade continha um jardim de inverno individual orientado para o norte, contando com um pergolado e novamente protegido pelos elementos pré-fabricados perfurados. Aqui, no entanto, eles cobrem toda a fachada da edificação, resultando em uma elevação minimalista tal como a oposta, onde há o corredor de acesso aos quartos, encerrado por uma parede de tijolos intercalados. As empenas laterais, totalmente cegas com exceção dos acessos, também exibem os tijolos aparentes de igual arranjo ao do salão. As imagens de época ilustram o emprego de mobiliário desenhado pelo próprio arquiteto, originalmente para o CTA, no hotel. Detalhes como o desenho das mesas de cabeceira, as paredes revestidas em madeira e o forro pintado de verde atestam o grau de atenção dedicado à sua ambientação.
Apesar de atualmente pouco conhecido, o projeto foi publicado em livros e revistas internacionais, como a segunda monografia de Stamo Papadaki, publicada em Nova Iorque sobre o trabalho do arquiteto, no número especial sobre a arquitetura brasileira da revista francesa L'Architecture d'Aujourd'hui e na americana Progressive Architecture, onde suas características estruturais são destacadas. Ademais, o projeto foi capa da edição de outubro de 1952 da revista Acrópole, uma das mais importantes do Brasil no período.
Contrastando com sua relevância, o estado de caracterização dos bens não é ideal, sendo que todas as obras possuem algum grau de descaracterização, felizmente em sua maioria aditivas e facilmente reversíveis. O conjunto arquitetônico do Clube dos 500 foi tombado em 2023 como patrimônio do Estado de São Paulo pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat).
Ficha técnica
- Nome da obra: Clube dos 500: Auto posto; Restaurante; Residência; Portaria; Blocos de hotel; Salão de refeições
- Autores: Oscar Niemeyer, Carlos Cavalcanti de Carvalho (engenheiro)
- Ano de início: 1951
- Ano de conclusão: 1952
- Endereço: Rodovia Presidente Dutra km 60 (22°47'17.2"S 45°09'25.1"W)
Bibliografia
- ARCHITECTURE d'Aujourd'Hui, Paris, no. 42/43, agosto 1952.
- CLUBE dos 500. In Acrópole, São Paulo, ano XV no. 174, p. 208-210, 1952.
- CANETTIERI, Ana Cristina. Clube dos 500. Um patrimônio modernista em Guaratinguetá. In: Minha Cidade, São Paulo, ano 23, n. 265.01, Vitruvius, set. 2022.
- FIGUEIREDO, Rolando. As obras de Oscar Niemeyer para o Clube dos 500 em Guaratinguetá (1951 - 1953). Relatório de iniciação científica junto à FAU Mackenzie. Orientação de Ruth Verde Zein. Fapesp processo 17/04879-8. São Paulo, 2017.
- FIGUEIREDO, Rolando. Auto Posto Clube dos 500: excepcionalidade de uma linguagem Niemeyeriana no pré-Brasília. In: Arquitextos, São Paulo, ano 17, n. 193.03, Vitruvius, jun. 2016.
- GEODETIC and plastic expressions abroad. In: Progressive Architecture, p. 114-116, jun. 1953.
- PAPADAKI, Stamo. Oscar Niemeyer: Works in Progress. New York: Reinhold, 1956.